ENTREVISTA COM DANIEL CARA : IMPORTÂNCIA DA CONAE 2014 PARA A EDUCAÇÃO
“Não dá mais para o Governo Federal fugir da sua
responsabilidade na educação”
Logo após o encerramento da Conae
2014 (Conferência Nacional de Educação), que ocorreu em Brasília entre os dias
19 e 24 de novembro, Daniel Cara, coordenador geral da Campanha, concedeu
entrevista sobre os principais temas aprovados por mais de 2,6 mil delegados de
todo o país que participaram do evento. Ele destacou o pedido de urgência na
regulamentação do CAQi (Custo Aluno Qualidade Inicial), que precisa ocorrer
ainda no primeiro semestre de 2015 e deve ampliar em cerca de R$ 37 bilhões o
repasse da União para garantir os padrões mínimos de qualidade da educação
básica nos Estados, Municípios e Distrito Federal.
Como delegado nato da Conae e
coordenador das discussões no Eixo VII: Financiamento da Educação, Gestão,
Transparência e Controle Social dos Recursos, Daniel comenta outros pontos
aprovados na conferência como a retirada da educação da Lei de Responsabilidade
Fiscal, a destinação de 100% dos Royalties e do Fundo Social do Pré-Sal para a
área e a ampliação do investimento feito por Estados e Municípios de 25% para
35% das receitas arrecadadas. Confira abaixo a entrevista.
Qual é a avaliação geral da Campanha na Conae?
Daniel Cara: Em todos os eixos,
aprovamos tudo o que era prioritário. Quase todas as nossas emendas foram
aprovadas com relativa tranquilidade. Isso demonstra que a Campanha é uma
organização que congrega diversos atores, que atuam de forma muito dedicada e
unida. Essa é mais uma etapa que a gente cumpre. Foi assim na Coneb
(Conferência da Educação Básica), na Conae 2010 e se fortaleceu ainda mais na
conferência deste ano, quando tivemos a maior delegação de uma única entidade,
cerca de 90 delegados.
Quais são as principais deliberações da Conae no Eixo VII?
DC: A Conae exige do MEC a
homologação do CAQi até maio de 2015 e dá um recado claro ao Congresso
Nacional: a destinação de 100% dos Royalties e do Fundo Social do Pré-Sal para
a educação, 100% das participações especiais e da exploração de minérios. É um
conjunto de recursos bastante importante. Porém, Código Mineral tramita vagarosamente
no parlamento e o Brasil segue como um dos poucos países que não fazem uma
cobrança justa dessa exploração. As mineradoras são muito beneficiadas, em
especial no Pará, Maranhão e Minas Gerais. Também aprovamos que a LRF (Lei de
Responsabilidade Fiscal) não deve ser aplicada na educação, caso contrário, não
conseguiremos a valorização dos profissionais da área. Outra questão basilar
aprovada foi que o dinheiro público deve ir para educação pública. Esse é um
recado ao Governo Federal e ao Congresso Nacional de que a aprovação das PPP
(Parcerias Público Privadas) no PNE, que teve forte apoio do setor privado, é
contrária ao que se colocou aqui na conferência.
Qual a importância das propostas aprovadas nesse eixo para a construção
do SNE?
DC: Em relação ao SNE ficou muito
claro que o Governo Federal deve ter maior participação e a maneira de
implementar isso é com o CAQi e depois com o CAQ (Custo Aluno Qualidade). Só o
CAQi, em 2016, deve significar mais R$ 37 bilhões de reais a serem transferidos
pela União aos Estados, Municípios via Fundeb (Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação). Além disso, a Conae aprovou que todos os recursos do Royalties, do
Fundo Social do Pré-Sal, das participações especiais e da exploração de
minérios devem ser integralizados no Fundeb para a garantia do CAQi. Essa uma
medida revolucionária porque vamos começar a rediscutir o fundo, que termina em
2020. Normalmente, as leis demoram cerca de quatro anos para serem aprovadas,
especialmente leis dessa envergadura. O resultado é que o fundo será
fortalecido com esses recursos e essa é uma excelente notícia para a área de
educação.
As deliberações da Conae devem influenciar o poder executivo?
DC: Elas devem gerar uma tensão
com o Governo Federal. Nossa expectativa é que se cumpra o que a presidenta
Dilma diz: que a prioridade é a educação. Se essa é a prioridade, ela tem que
reverberar em maior participação da União na área, transferindo [mais recursos]
para Estados e Municípios.
Qual é a perspectiva de regulamentação do CAQi pós Conae?
DC: Conseguimos fazer um acordo
de redação com o Ministério da Educação. A proposta inicial era sair da Conae
com o pedido de homologação imediata do CAQi, mas atrasamos o prazo para maio
de 2015, quando o parecer 8/2010 do CNE (Conselho Nacional de Educação)
completa 5 anos sem a homologação do MEC. É uma data simbólica, mas a sua
escolha ocorreu principalmente porque se nada ocorrer até lá, o dispositivo não
entrará na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2016, que deve começar a
ser discutida a partir do final do primeiro semestre do ano que vem. Para
cumprir a estratégia 20.6 do PNE, o CAQi tem de ser implementado a partir de
2016.
Quais os próximos passos para a implementação do CAQi?
DC: O MEC ficou responsável
garantir uma comissão de trabalho para analisar a proposta com a Campanha. Isto
foi prometido desde 2010 por todos os ministros da educação: Fernando Haddad,
Aloizio Mercadante e José Henrique Paim, mas nunca o fizeram. Agora, não temos
mais como esperar. A Conae aprovou textualmente a criação dessa comissão e a
implementação do CAQi nos moldes propostos pela Campanha. Temos muito o que
discutir, pois enviar R$37 bilhões para Estados e Municípios de forma
automática não vai resolver os problemas. Precisamos fazer um debate sobre o
período de transitoriedade e os critérios para que a absorção desses recursos
seja bem aplicada. Não dá mais para o Governo Federal fugir da sua
responsabilidade na educação, especialmente na educação básica. A União deve
colaborar, especialmente, com os Municípios que tem uma grande demanda com a
Educação Infantil, a mais complexa da Educação Básica, junto com a EJA
(Educação de Jovens e Adultos), na qual os Estados têm uma participação
bastante grande. Esse é o recado da Conae: o Governo Federal precisa participar
de forma efetiva nos gastos na área de educação!
O tema central da Conae foi a construção do SNE. De que maneira o CAQi
dialoga com esse processo?
DC: A base central do SNE é a
meta 20 do PNE, cuja principal estratégia é a implementação do CAQi. Ele é
instrumento basilar do SNE e vai regular a cooperação entre o Governo Federal,
Estados e Municípios, ou seja, o regime de colaboração. O que vai acontecer
agora é que a Conae, que iria influenciar a tramitação final do PNE, servirá
para nos mobilizarmos na tramitação do SNE no Congresso, que será muito mais
complexa do que foi a do PNE, por um único motivo: vai mexer no bolso dos entes
federados. Ao mesmo tempo em que temos um congresso muito conservador, por
outro, nunca tivemos um congresso tão fortemente municipalista. Os
parlamentares, hoje, tentam de forma errada desonerar o município, como por
exemplo na tentativa de reajustar o piso do magistério pela inflação, o que é
completamente equivocado pois não acarreta na valorização da carreira. Vamos
tentar mostrar é que muito melhor rediscutir o pacto federativo, por meio de
uma minirreforma federativa, que é a implementação do CAQi.
Por que a regulamentação do CAQi deve vir pelo CNE e não pelo
Congresso, na forma de lei?
DC: O primeiro passo para nós,
que não passa pelo Congresso Nacional é a homologação do CAQi no CNE. Isso não
é tão decisivo com uma lei, mas para a área de educação é um princípio
importante. O conselho tem que ser um espaço importante de debate e não apenas
àquela arena em que o governo aponta suas necessidades e os conselheiros
normatizam. Pela primeira vez, o Conselho tem a chance de apontar um caminho
determinado pela sociedade civil, num termo de cooperação firmado entre o CNE e
a Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Quais as demandas que o CAQi e a Conae trazem para a educação nos
Estados e Municípios?
DC: Não vamos apoiar que Estados
e Municípios pratiquem guerra fiscal, deixem de arrecadar e a União faça a
complementação, porque isso é completamente contrário ao bom uso do recurso
público. O ministro Paim, ao criticar o CAQi, diz que muitos prefeitos e
governadores não fazem bem o seu papel. Isso é verdade. Mas eles não cumprem
com sua função, em parte, porque fazem guerra fiscal, não têm bom uso do
recurso e não fortalecem o controle social. Mas no geral isso ocorre exatamente
pelo fato de que estão com o orçamento bastante limitado para investir na área.
O que Estados e Municípios devem fazer?
DC: Primeiro, entender que a
guerra fiscal prejudica seu próprio cidadão, pois deixa de arrecadar para a
saúde, a educação e a assistência social. Segundo, é preciso criar mecanismos
de controle social e de transparência. Quando chegar o dinheiro do CAQi, vamos
cobrar que a lei da transparência seja integralmente cumprida por Estados e
Municípios, o que até agora não é. Temos que ter claro como são distribuídos os
recursos, publicizá-los em portais de transparência, fazer avaliações da
qualidade do recurso. Não basta chegar o recurso, tem que ter resultado,
verificar se está alterando o plano de carreira, a aprendizagem dos alunos, a
infraestrutura das escolas, ou seja, se está se materializando de fato. Essas
são as responsabilidades aprovadas.
A Conae aprovou que o investimento de Estados e Municípios em educação
devem passar de 25% para 35% das receitas integralizadas. Isso não prejudicará
outras áreas?
DC: O pessoal da saúde, seestivesse
aqui, com certeza reclamaria e também pediria aumento. Mas essencialmente, a
saúde demanda efetivamente 1% do PIB para resolver quase todos os seus
problemas, isso é cerca de 50 bilhões de reais. Já a educação precisa de 10%, é
uma demanda muito maior. Por quê? Porque nos cinco dias úteis da semana temos
50 milhões de alunos nas escolas brasileiras, sendo que 40 milhões são em
instituições públicas, 2 milhões de professores, 5 milhões de profissionais da
educação... É muito maior do que qualquer outra política social. Então,
necessariamente, a educação tem uma demanda maior. Por isso, essa é uma demanda
justa e uma sinalização para o Congresso Nacional. Todo mundo tem que fazer a
sua parte. Quando falamos isso não podemos encobrir que a União faz menos, não
apenas à presidente Dilma, foi também com os demais presidentes desde a
redemocratização.
FONTE: Daniel Cara
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