EDUCAÇÃO: Argentina cria ensino médio a distância e outros modelos de curso mais flexíveis
"Meus netos me pediam que os ajudasse com a tarefa, mas eu não podia. Sentia-me muito impotente. Agora são eles que dizem que vão me ajudar", conta, sorrindo, Modesta, 67 anos, que cursa o ensino fundamental de adultos na Escola N° 2 da cidade de Buenos Aires. Como Modesta, só nesta cidade e seus arredores há cerca de dois mil adultos que não concluíram o Ensino Básico. Em todo o país, o número chega a dois milhões. Caso se considere o ensino médio - que é obrigatório no país desde 2006 - são sete milhões adultos que não completaram seus estudos, dentre os 30 milhões de argentinos maiores de idade.
Para enfrentar o
desafio, nos últimos anos distintas instâncias de governo, bem como associações
civis e empresas privadas desenvolveram diversas alternativas para que os
adultos concluam seus estudos. Especialmente os de nível médio, cujo
certificado de conclusão se transformou em uma condição necessária para
conseguir postos de trabalho de melhor qualidade.
Os programas de
conclusão de estudos oferecem opções que vão desde o ensino a distância (pela
internet), até monitorias especiais ou flexibilização de horários. Parece que
tudo vale para aproximar a escola dos adultos que por alguma razão a
abandonaram, o que também gera discussão entre especialistas: enquanto alguns
acreditam na inclusão social que estes programas geram, outros apontam um
relaxamento nas exigências aos alunos para serem aprovados nas matérias,
atentando contra a qualidade da educação que é ministrada e a seriedade do
diploma que se concede.
O programa de
conclusão do ensino médio mais ambicioso da Argentina está sendo realizado pelo
governo nacional. Trata-se do plano Finalización de Estudios Secundarios ou
Plano de Conclusão de Ensino Médio (Fines) que, desde 2008, permitiu que mais
de 513 mil pessoas concluíssem essa etapa. Hoje, uma em cada três pessoas que
concluem o ensino médio na Argentina o fazem através deste programa.
A proposta exige
cursar só duas vezes por semana, por três horas, até cinco matérias a cada
quatro meses. Ao final de três anos (no máximo), recebe-se o diploma de
conclusão. O único requisito para se inscrever é ser maior de 18 anos. Quando
se compara este programa com o que é exigido pela escola de adultos
tradicional, uma modalidade com uma longa história dentro do sistema
educacional argentino, fica claro que o Fines é mais rápido: permite a
diplomação cursando menos de um terço do que requer um curso tradicional: 648
horas-aula contra 2.025, em média. Por isso são muitos aqueles que advertem
sobre a "baixa qualidade" do plano.
Outra
particularidade questionada do Fines é que as aulas podem ser ministradas não
só em escolas, mas em clubes de bairro, bibliotecas populares, igrejas,
sindicatos e unidades básicas de grupos políticos. Ainda que o objetivo seja
aproximar a educação da população, docentes e especialistas denunciam que, em
muitos casos, ocorre "doutrinamento político".
Os defensores do
plano Fines argumentam que a educação de adultos sempre foi mais curta porque
os alunos já têm uma trajetória e trazem aprendizagens adquiridas. E destacam
especialmente o benefício da inclusão, uma vez que atinge pessoas às quais o
sistema educacional não chegava. Assim estão lhes abrindo a possibilidade de
começar a universidade ou ter uma promoção em seus trabalhos, dizem.
O Fines não é o
único programa argentino para a conclusão do ensino médio. O governo da cidade
de Buenos Aires lançou recentemente um novo plano que é cursado exclusivamente
pela internet. Destinado aos adultos de todo o país, o programa se chama
Terminá la secundaria (Conclua o ensino médio) e começará em agosto. Já
mostraram interesse pela proposta mais de 200 mil pessoas, informou o governo
da cidade.
A única fase
presencial do Terminá la secundaria serão as provas, que serão realizadas e
corrigidas por computador, nas localidades de origem dos inscritos. Sempre com
o objetivo de flexibilizar a educação, o programa ajusta o currículo a cada
estudante em função de quantos anos de ensino médio tenha cursado. "É uma
roupa sob medida", dizem os idealizadores do programa. Para aqueles que
não tenham passado em nenhuma matéria, o plano envolve 26 matérias que,
cumprindo os prazos formais, dura em torno de três anos. O diploma será o de um
ensino médio comum.
Mesmo que a
proposta permita a inscrição de moradores de outras províncias argentinas, o
plano despertou polêmica. O ministro de Educação nacional, Alberto Sileoni,
enfrentando politicamente a administração da cidade, afirmou que o programa não
tem validade oficial. A cidade garante que tem.
O que não desperta
nenhuma crítica é o programa Vuelvo a Estudiar (Volto a Estudar), da província
de Santa Fé. Ali, uma equipe do Ministério de Educação sai buscando, casa por
casa, os alunos que abandonaram o ensino médio. Quase 1,6 mil já voltaram e estão
terminando seus estudos, e agora buscarão outros 3,4 mil alunos.
As autoridades de
Santa Fé explicam que o processo de retorno é artesanal: para cada criança é
traçada uma estratégia diferente. Em uma primeira fase, as equipes de campo
visitam os adolescentes, perguntam os motivos de abandono e lhes oferecem um
leque de possibilidades para que voltem. Vuelvo a Estudiar surgiu como uma
iniciativa do Gabinete Social de Santa Fé, integrado por dez ministérios que
trabalham em conjunto sobre as problemáticas específicas dos setores mais
vulneráveis da província. Tiram proveito de um novo sistema informatizado que
conta com informações das trajetórias de cada um dos alunos que cursam o ensino
médio ali.
Também na província
de Córdoba há um plano para a conclusão do ensino médio. É o programa 1417, que
começou em 2010 e está destinado a jovens que tenham abandonado o ensino a
partir desse ano. Trata-se de um ensino médio em ciências sociais que reconhece
os resultados prévios certificados. Dispõe de monitorias e de coordenação
pedagógica e a oferta das disciplinas é anual.
Muitos adultos - como Modesta - ainda têm de
completar o ensino fundamental, e para eles também há planos oficiais e
gratuitos. O programa Escuelas Primarias para Adultos y Adolescentes (Ensino
Fundamental para Adultos e Adolescentes), da cidade de Buenos Aires, está
destinado a adolescentes maiores de 14 anos e adultos sem limite de idade. Dura
três anos e são cursadas duas ou três horas diárias de segunda-feira a
sexta-feira. Os alunos obtêm um certificado oficial de conclusão do ensino
fundamental. Há 85 escolas onde é possível assistir às aulas na cidade.
As trajetórias
escolares dos alunos que chegam a estas escolas de adultos são muito diversas.
As idades variam desde os 14 até quase 80 anos. Muitos são de países
limítrofes, outros são argentinos. Os motivos pelos quais tiveram de deixar a
escola têm a ver, na maioria dos casos, com a necessidade de trabalhar ou a
ausência de pais que reconhecessem a importância de ir ao colégio.
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