EDUCAÇÃO : Criança precisa andar pela cidade para ser cidadã, afirma urbanista
Por que defender que a criança ande até a escola?
Irene Quintáns - O caminho para a escola é um trajeto que
todas elas fazem, e fazem todos os dias. É o seu contato mais próximo com a
cidade.
Hoje em dia a rotina das crianças é o que eu chamo de
caixinhas. Está na caixinha que é a casa, entra na caixinha com rodas que é o
carro ou a van, vai para a escola, que é a caixa maior, e geralmente só tem dez
minutos para lanche e dez para brincar. Aí ela volta para casa e não sai,
porque é perigoso ou por falta de opção. Nessa rotina ela só teve dez minutos
livre, o que traz muitos problemas.
Quais?
O primeiro é o sedentarismo, que traz sobrepeso. A criança
que é sedentária e tem má alimentação pode ter diabetes. Ela também não recebe
luz solar, que é importante para o sistema imunológico. Então só caminhar já
ajuda muito na parte da saúde. Um estudo feito na Dinamarca viu ainda que as
crianças que iam a pé ou de bicicleta para a escola tinham mais concentração
para desenvolver atividades complexas.
E ainda tem a ver com preconceito. Uma criança que não anda
não convive com moradores de rua, com situações e pessoas de cores diferentes.
Um dia eu caminhava com o meu filho e ele deu um sorrisão para um morador de
rua e falou 'bom dia!'. Como você vai fazer esse tipo de construção social se
você é transportado de uma caixa para outra?
Como a criança pode ser um ator social na cidade?
É superimportante trabalhar o tema do pertencimento. Se ela
não se sente pertencente ao seu bairro, à cidade, como é que você vai ensinar
coisas do tipo 'não se joga lixo na rua'? Através do tablet? Uma coisa que eu
não gosto é que as pessoas falam: a criança é o cidadão do futuro. Não, ela é
um cidadão de hoje, de ontem e de amanhã.
Muitas vezes as pessoas não levam o tema da criança a sério,
então eu trago provas científicas. Os ganhadores do prêmio Nobel de medicina em
2014 viram que, para se orientar, o cérebro humano absorve referências e cria
uma grade mental. Se você não anda na cidade, como vai absorvê-las?
Em oficinas, quando peço que crianças desenhem o caminho de
casa para a escola, é muito clara a diferença. As que vão motorizadas só
conseguem desenhar rua, semáforo e carro, já as que vão a pé desenham outros
seres humanos, elementos naturais.
O que a criança vê que o adulto não vê?
Elas veem beleza e obstáculos em todo lugar. Um degrauzinho
na porta de uma casa para a criança é uma oportunidade para pular, sentar,
parar um pouco.
Por exemplo, aquelas muretas com elementos pontudos ou com
espinha de cristo, aquela planta horrível. Pensa na altura da criança. Se ela
vê uma plantinha que machuca, não pode se aproximar, mas se é uma flor,
provavelmente ela vai falar 'olha, mãe!'. Às vezes nem é nada tão poético.
Choveu muito e um rio se forma na rua. Você, adulto, não vai querer pisar nessa
água, já as crianças pedem: 'Posso pular?'. De carro não dá, tem que ser a pé.
Dados da CET mostram que em época de aula o trânsito aumenta
30%. Como andar pode afetar também a vida da cidade?
O caminho escolar é uma solução para tentar diminuir esse
horário de pico do carro oferecendo opções. A ideia é fazer uma redistribuição
modal, o termo técnico para as porcentagens de transporte que as pessoas usam.
Não tem um manual, você tem que pensar na circunstância de cada escola, no que
os pais e as mães precisam.
Se é na periferia, as porcentagens de crianças que vão a pé
são muito altas, então você não tem que lutar contra o carro, e sim para que o
espaço urbano seja minimamente seguro. Se você está numa área nobre, terá que
tentar mudar a distribuição modal da escola. Como? Depende da idade, mas nunca
é uma criança andando sozinha isolada.
A partir de qual idade é recomendável que elas saiam a pé?
Quando a criança é pequena, de 5 a 7 anos, aparecem as
experiências como o Carona a Pé, do colégio Equipe [projeto em que grupos de
crianças vão à escola acompanhados por dois adultos]. Mas meu filho mais velho,
por exemplo, acha muito chato. Crianças maiores, de uns 8 a 10 anos, podem ir
com os amigos que moram perto.
Além disso, esses projetos de ônibus a pé incentivam que a
própria cidade acolha as crianças, com sinalização e até engajando os comércios
no caminho, para que ajudem se a criança precisar de algo. Se os pais não
largam mão do carro, também dá para organizar caronas. Você sempre pode pensar
em soluções: a pé, de bicicleta, de transporte público e até de carro.
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