O QUE ACONTECEM COM PESSOAS QUE EMPRESTAM SEU NOME A TERCEIROS COMO AVALISTA?
Pagar dívidas
nem sempre é fácil. Pior ainda saldar dívidas dos outros. Pois é isso o que
acontece com milhões de pessoas que emprestam o nome a terceiros ou fiam
dívidas e contratos na base da confiança e acabam surpreendidas com a
desagradável cobrança. Poucos escapam da ingrata missão de quitar os débitos
alheios e amizades se findam, famílias racham com episódios assim. A orientação
dos especialistas é clara: fuja de emprestar seu nome para qualquer pessoa que
seja. Por mais honesto, correto e confiável que seja quem lhe pede o nome,
imprevistos podem acontecer e quem literalmente pagará a conta será você.
O coordenador
da Comissão de Direitos do Consumidor da OAB, Fernando Prado Targa, afirma que
casos que envolvem “endividamento terceirizado” são comuns. “É uma coisa
corriqueira o consumidor que empresta o nome para outro e depois se vê em um
apuro, com vários dissabores. Ele empresta o nome para um terceiro e este
terceiro acaba não adimplindo a dívida e, na verdade, não é o terceiro que
responde pela dívida e sim quem emprestou o nome. É totalmente
desaconselhável”, alerta. O advogado salienta que em determinadas situações as
perdas de quem empresta o nome podem ser desastrosas. “No contrato de fiança locatícia,
a pessoa entra como fiador e ainda garante um imóvel, um patrimônio dele. Num
eventual inadimplemento do locatário o fiador responde e o imóvel dele não pode
ser considerado bem de família. Pode ser penhorado e ele pode perder a
residência”, comenta.
O advogado
observa que, em alguns casos, o responsável por honrar as dívidas assumidas em
nome emprestado pode mudar, tornando muito complicada a responsabilização de
quem realmente tem que responder pelas dívidas. “Já vi casos em que a pessoa
acabou quase chegando às vias de fato. Uma pessoa emprestou o nome para o
cunhado para comprar um carro. O cunhado foi pagando até um certo período este
carro, aí vendeu para um terceiro sem avisar. Este terceiro estava passando
este carro para uma quarta pessoa, tomando uma série de autuações e não pagando
a instituição financeira”, expõe Targa. “A sorte é que foi num período final de
contrato e não deu busca e apreensão do veículo. Até tentei vislumbrar uma ação
judicial em prol deste consumidor que emprestou o nome, mas pelos estudos que
fiz estava fadada ao insucesso”, aponta.
Sem garantia
Targa ressalta
que é complexo ter garantias quando se empresta o nome. Nem mesmo um documento
registrado comprovando o empréstimo livra quem emprestou de ser responsabilizado
legalmente pela dívida contraída. “Você emprestando o nome, pode até registrar
para se resguardar para uma eventual cobrança futura. Mas vai ter que cumprir
com a obrigação de quitar a dívida. É uma forma de resguardar seu direito para
cobrar depois. Geralmente, o terceiro que pede o nome emprestado já está com
problemas e dificuldades na vida. Se a pessoa pediu o nome emprestado é porque
não tem condições. Tem gente que vive disso”, alerta.
Targa, no
entanto, pondera que existem situações diferentes, de real necessidade de quem
pede. “A pessoa que sempre andou na linha, sempre foi correta, está em uma
situação difícil porque teve um percalço na vida e está tentando se reerguer”,
cita. Mas o advogado reitera que o principal problema é a situação fugir do
controle e envolver terceiros, que podem não honrar os compromissos que estão
no nome emprestado. “Pode acontecer de uma situação dessas acabar com uma
amizade de uma vida toda. Até no âmbito familiar. Não é incomum”, constata.
O advogado
explica que resta a quem emprestou o nome arcar com os prejuízos e tentar,
posteriormente, ser ressarcido pelo real devedor. “É o chamado direito de
regresso. Você pode regredir contra aquela pessoa que causou o problema para
você. Por exemplo, no caso da locação. Se o locatário não pagar, o fiador
responde. Depois que o fiador pagar, ele tem o direito de regresso de cobrar
isso do locatário. Mas se o locatário já não pagou dificilmente vai pagar o
fiador”, analisa.
Targa alerta
ainda que estar com o nome negativado pode afetar a vida profissional e
prejudicar quem trabalha em sociedade ou tem empresa. “Se ficar inadimplente,
qualquer coisa que aconteça no âmbito da pessoa física atinge a pessoa
jurídica. Você não consegue empréstimos em banco, créditos em outros locais”,
finaliza.
Difícil dizer não à família e amigos
A dificuldade
na recusa de “emprestar o nome” aumenta consideravelmente quando quem solicita
é um familiar ou amigo. A proximidade da relação constrange o não. Dados do
estudo do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) em parceria com a
Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) mostram que 45% dos
entrevistados também se sentiriam envergonhados de cobrar a dívida atrasada de
algum parente. Sandra Leal Calais, doutora em psicologia clínica e professora
de graduação e pós-graduação do departamento de psicologia da Universidade
Estadual Paulista (Unesp), salienta que a vínculo afetivo potencializa a
dificuldade já cultural de negar. “Já dificulta o fato da pessoa não ter esta
habilidade. Isto faz parte da habilidade social e a questão é de que se você já
não a tem com pessoas estranhas, o que dirá com pessoas com as quais você tem
um vínculo afetivo”, declara.
Calais observa
que é muito difícil uma situação de “endividamento involuntário por empréstimo
do nome” não causar desgaste entre familiares. “As relações de parentesco são
relações especiais, que têm afeto mesmo. Quando envolve a condição de afeto, o
dano do ponto de vista emocional é muito pior. Você pode, inclusive, a sentir
como traição”, destaca. “Fica, às vezes, complicado. Você concorda porque
aquela pessoa merece que você faça isso, mesmo que você não goste ou já tenha
claro que isso pode dar problema”, pondera.
Administrar um
conflito de “endividamento terceirizado” é complexo porque nem sempre a pessoa
que usou o nome emprestado não cumpriu com os compromissos de forma
intencional. “Mesmo a pessoa mais honesta do mundo pode ter uma condição de um
desemprego ou coisa assim e não vai deixar de dar comida para os filhos. Ela
não vai privilegiar a dívida com você”, analisa Calais. É preciso ter noção das
consequências que podem atingir quem empresta o nome. “Para aceitar uma coisa
dessas, precisa avaliar se você tem condição de suportar no caso da pessoa ter
um revés, não é só no caso da pessoa querer lhe prejudicar e não pagar”,
explica a psicóloga.
Treinamento
Calais salienta
que o importante é saber quando dizer não, seja por antever uma situação de
prejuízo, desconforto ou contrariedade. “A pessoa tem que ser treinada a saber
dizer não quando as coisas não são razoáveis ou quando efetivamente não quer.
Ninguém é obrigado a fazer uma coisa dessas se não quer”, define. Negar, porém,
torna-se uma tarefa árdua por questões sentimentais. “Vamos dizer que um irmão
seu lhe pedisse (o nome emprestado). E você acha que seu irmão não é uma pessoa
que vai se preocupar muito com você. Se você diz não de uma forma adequada e
educada, pode ser que sua mãe fique extremamente magoada com você. Veja como
estas relações familiares têm muitas facetas que, às vezes, não existem em
outras em outra condição. Você vai concordar por causa da sua mãe”,
exemplifica.
A psicóloga
explica que o desenvolvimento da habilidade de dizer não se dá pela prática. “A
pessoa tem que aprender a recusar pequenas coisas até ser capaz de dizer não
sem culpa. Porque eu posso recusar e, depois, ficar me martirizando. A pessoa
tem que entender que ela nunca é obrigada a fazer uma coisa que ela não quer”,
ressalta. “Ela não assinou nenhum documento quando nasceu de que seria obrigada
a fazer uma coisa que não quer ou com a qual não concorda”, acrescenta. A
psicóloga explica que existe treinamento terapêutico adequado para desenvolver
a habilidade de dizer não e acabar com o sofrimento da obrigação de aceitar
imposições ou ficar com a culpa pela recusa. “Você ensina a pessoa com pequenas
coisas do dia a dia até que ela adquira a confiança para dizer não a coisas que
realmente importam”, conclui.
Maioria empresta nome sem qualquer garantia
Estatísticas do
Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) em parceria com a Confederação
Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) apontam que 70% dos consumidores não
tomam qualquer garantia quando emprestam o nome para compras a prazo. Pelo
estudo, com resultados publicados no blog Caixa Forte, a incidência é maior
entre os consumidores já inadimplentes. Neste grupo, 96% reconhecem que não se
resguardam contra eventuais riscos. Apenas 2% afirmam que elaboram um contrato
com o solicitante, e o restante fica com um cheque pré-datado e ou uma nota
promissória.
A cautela
torna-se maior entre os consumidores adimplentes. Entre os não devedores, o
percentual de quem empresta o nome cai para 9%. O percentual de quem não
resguarda com nenhuma garantia também diminui para 69%. Entre os “prevenidos”,
30% procuram alguma contrapartida, como firmar contrato (15%), receber cheque
pré-datado (7%), reter o documento do ‘tomador do nome’ (5%) ou emitir uma nota
promissória (3%).
“Arrumei um problema e tanto”
Foram três anos
sem falar com meu primo por causa dessa história de emprestar nome. Mais do que
emprestar, eu realmente comprei coisas para ele porque, afinal, eu o meu nome
que chegava ao comércio através do meu cheque. Aliás, começou assim: ele
pedindo cheque. Tudo bem. Foram quatro folhas em compras diversas ao longo de
três meses, que somaram R$ 620. E pra receber depois? Tudo bem, eu não ia ficar
mais pobre nem mais rica por causa desse valor. Mas não foi dado, foi
emprestado. Na terceira folha, eu estava com a conta descoberta. Foi uma
complicação ir até o banco e resolver as coisas porque tinha caído um cheque
meu antes do prazo, mas que na prática não era meu, já que era “emprestado”
para uma compra da qual eu não usufrui. Pior era ver meu primo emprestando
cheque de outras pessoas também. Acontece que ele, que era meio descabeçado,
entrou para uma igreja, arrumou emprego melhor em outra cidade e me pagou.
Demorou, mas pagou.
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