Homenagem ao aniversário de Brasília
Não faltou quem
duvidasse que o cerrado teria um lago artificial. Nos registros históricos dos
primeiros anos da nova capital do País, consta que o engenheiro, escritor e
pensador Gustavo Corção desacreditava que o terreno poroso fosse capaz de
transformar o seco no mar brasiliense. Quando, enfim, o espelho d'água se
formou, Juscelino Kubitschek mandou ao homem um telegrama com apenas duas
palavras: “Encheu, viu?”.
Se Corção não
acreditava que a façanha seria possível, imagine se alguém lhe dissesse que se
transformaria em um dos principais polos de turismo e esporte de Brasília? É
certo que a água, por um tempo, ficou imprópria para banho.
A década de
1990 foi difícil para o Lago Paranoá. As estações de tratamento sufocaram, não
conseguiam tratar a água e o mau cheiro tomou conta do lugar, junto com a fauna
morta e a água poluída. Chegou a um ponto em que centenas de peixes mortos
boiaram. Hoje, o cenário é oposto, e o lago respira saúde.
Os surfistas do
Lago Paranoá já foram protagonistas musicais, mas são os praticantes de stand
up padlle que tomam conta do lugar. A Praia do Cerrado, próximo à ponte Costa e
Silva, tem até areia digna de um ponto do litoral brasileiro. Sérgio Marques,
35, organizador de um projeto que visa associar esporte e natureza, cresceu na
beira do lago e viu de perto a transformação.
“Eu matava aula
para nadar, pescar. Naquela época diziam que não podia, que fazia mal, que não
era saudável. Aos oito ou dez anos, eu estava na beira do lago quando passou
uma viatura pedindo para sair”, lembra, emendando que “hoje o lago respira
saúde”.
Para ele, a
realidade de sempre ter alguém praticando esportes e aproveitando o recurso
que, antes, era considerado errado é uma conquista. “É preciso, também, cuidar
para que não aconteça o mesmo que no passado”, pondera.
Não rola nada na cidade. Oi?
É bem verdade
que não se veem tantas pessoas caminhando pela Esplanada dos Ministérios
durante feriados e fins de semana – a menos que haja alguma manifestação. As
distâncias são longas e os grandes quadradões de concreto podem afastar os
andantes. Mas a cidade não morre. Não mais. Hoje, diversos eventos transformam
o deserto em um mar de gente.
Miguel Galvão,
organizador do evento Picnik, que vai para a 17ª edição, acredita que “durante
muito tempo, as pessoas estavam acostumadas a interagir na zona de conforto,
próximo a elas. Hoje, com as mídias sociais e sua pulverização, fica muito mais
fácil saber de outras coisas que estão acontecendo na cidade”, afirma.
Para ele, as
próprias pessoas que gostam da cidade manifestaram uma insatisfação à
ociosidade brasiliense e decidiram organizar o que fazer durante os períodos
vazios. “O Picnik surgiu assim”, conta. “Há três anos, esse tipo de evento não
existia. Não tinha uma ocupação voltada para o comportamento saudável”, emenda.
“Não é verdade
que não tem nada pra fazer em Brasília”, assegura Irlan Rezende, organizador do
Samba do Banquinho, que leva uma roda musical ao Parque da Cidade. “Há 20 anos,
quando cheguei, era uma cidade fria, mas hoje tem bastante entretenimento,
muita cultura. As pessoas podem até ficar no marasmo, mas é só procurar que
encontram”, aconselha ele que, hoje, diz que não voltaria a morar no Rio de
Janeiro, sua cidade natal.
Cidade só de servidores? Não aqui...
Que atire a
primeira pedra o morador de Brasília que nunca foi questionado sobre serviço
público. Mas quem atribui à cidade o rótulo de maior centro do serviço público
do país está enganado. Nos últimos dez anos, o número de servidores aumentou
43% na capital. Mas é o Rio de Janeiro que tem a maior concentração. Estudo
publicado em 2012 pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) mostrava
que tínhamos metade das cadeiras da antiga capital.
Pesquisa de
2013 da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) colabora para
a quebra do clichê: servidores públicos distritais e federais são 22% da
população do DF, mais de 328 mil pessoas. Além disso, apenas 1,81% têm menos de
25 anos, segundo um estudo elaborado pela Escola de Governo do Distrito Federal
(Egov).
O professor
Gabriel Lenzi, 31 anos, foge ao rótulo de brasiliense focado no serviço
público. Ele até já foi assim, piolho de cursinhos. “Para ter estabilidade”,
admite. “Mas, dentro de mim, sempre quis ser empreendedor, ter liberdade, poder
tocar projetos”, emenda. “Eu tinha medo da instabilidade, mas, no fundo,
pensava que não era o que eu queria. ”, lembra. De um dia para o outro, a ficha
caiu. A aula particular que dava na casa das pessoas deu lugar a uma sala de
aula na Asa Sul, onde atende seus alunos. “Tem que saber que você pode, você é
capaz. Como empreendedor é possível inovar”, conclui.
É linda
“Brasília não é
uma cidade má”, avalia o poeta Nicolas Behr, que considera que os clichês e
rótulos que atribuem à cidade ocorrem como em qualquer outra. “É o que os de
fora pensam”, explica. Mas, mesmo assim, ele ressalta que “a cidade é nossa e
temos uma relação de paixão com Brasília - uma mistura de amor e ódio”. Apesar
de “umbilicalmente ligada ao poder”, ele, que diz que não trocaria a capital
por outro lugar, acredita que se vive independentemente disso. E diz mais:
“Aqui, só vive sozinho quem quer. Mas muita gente ainda vive na ilha da
fantasia, isolados no Plano Piloto, Lago Sul e Lago Norte, que não saem das
ilhazinhas, mas Brasília é linda”. E isso
é mais que um paradigma.
Fonte: Da
redação do Jornal de Brasília
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