DECISÃO DO STF OBRIGA AS ESCOLAS PARTICULARES A CUMPRIR ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão da
última quinta-feira (9/6), julgou constitucionais as normas do Estatuto da Pessoa
com Deficiência (Lei 13.146/2015) que estabelecem a obrigatoriedade de as
escolas privadas promoverem a inserção de pessoas com deficiência no ensino
regular e prover as medidas de adaptação necessárias sem que ônus financeiro
seja repassado às mensalidades, anuidades e matrículas. A decisão majoritária
foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5357 e
seguiu o voto do relator, ministro Edson Fachin.
Ao votar pela
improcedência da ação, o relator salientou que o estatuto reflete o compromisso
ético de acolhimento e pluralidade democrática adotados pela Constituição
Federal ao exigir que não apenas as escolas públicas, mas também as
particulares, devem pautar sua atuação educacional a partir de todas as facetas
e potencialidades do direito fundamental à educação. “O ensino privado não deve
privar os estudantes – com e sem deficiência – da construção diária de uma
sociedade inclusiva e acolhedora, transmudando-se em verdadeiro local de
exclusão, ao arrepio da ordem constitucional vigente”, afirmou.
A ADI 5357 foi ajuizada pela Confederação Nacional dos
Estabelecimentos de Ensino (Confenen) para questionar a constitucionalidade do
parágrafo primeiro do artigo 28 e caput do artigo 30 da Lei 13.146/2015.
Segundo a entidade, as normas representam violação de diversos dispositivos
constitucionais, entre eles o artigo 208, inciso III, que prevê como dever do
Estado o atendimento educacional aos deficientes. A Confenen alega ainda que os
dispositivos estabelecem medidas de alto custo para as escolas privadas, o que
levaria ao encerramento das atividades de muitas delas.
O ministro Fachin
destacou em seu voto que o ensino inclusivo é política pública estável,
desenhada, amadurecida e depurada ao longo do tempo e que a inclusão foi
incorporada à Constituição da República como regra. Ressaltou que a Convenção
Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, que tem entre seus
pressupostos promover, proteger e assegurar o exercício pleno dos direitos
humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, foi
ratificada pelo Congresso Nacional, o que lhe confere status de emenda
constitucional. Segundo ele, ao transpor a norma para o ordenamento jurídico, o
Brasil atendeu ao compromisso constitucional e internacional de proteção e
ampliação progressiva dos direitos fundamentais e humanos das pessoas com
deficiência.
O relator salientou
que, embora o serviço público de educação seja livre à iniciativa privada,
independentemente de concessão ou permissão, isso não significa que os agentes
econômicos que o prestam possam atuar ilimitadamente ou sem responsabilidade.
Ele lembrou que, além da autorização e avaliação de qualidade pelo Poder
Público, é necessário o cumprimento das normas gerais de educação nacional e
não apenas as constantes da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei
9.394/1996), como alega a Confenen.
O ministro ressaltou que as escolas não podem se negar a
cumprir as determinações legais sobre ensino, nem entenderem que suas
obrigações legais limitam-se à geração de empregos e ao atendimento à
legislação trabalhista e tributária. Também considera incabível que seja
alegado que o cumprimento das normas de inclusão poderia acarretar em eventual
sofrimento psíquico dos educadores e usuários que não possuem qualquer
necessidade especial. “Em suma: à escola não é dado escolher, segregar,
separar, mas é seu dever ensinar, incluir, conviver”, afirmou o relator.
O relator da ADI
apontou que, como as instituições privadas de ensino exercem atividade
econômica, devem se adaptar para acolher as pessoas com deficiência, prestando
serviços educacionais que não enfoquem a questão da deficiência limitada à
perspectiva médica, mas também ambiental, com a criação de espaços e recursos
adequados à superação de barreiras.
“Tais requisitos, por
mandamento constitucional, aplicam-se a todos os agentes econômicos, de modo
que há verdadeiro perigo inverso na concessão do pedido. Perceba-se: corre-se o
risco de se criar às instituições particulares de ensino odioso privilégio do
qual não se podem furtar os demais agentes econômicos. Privilégio odioso porque
oficializa a discriminação”, salientou.
Ao acompanhar o
relator, o ministro Luís Roberto Barroso destacou a importância da igualdade e
sua relevância no mundo contemporâneo, tanto no aspecto formal quanto material,
especialmente “a igualdade como reconhecimento aplicável às minorias e a
necessidade de inclusão social do deficiente”.
Também seguindo o
voto do ministro Fachin, o ministro Teori Zavascki ressaltou a importância para
as crianças sem deficiência conviverem com pessoas com deficiência. “Uma escola
que se preocupe além da questão econômica, em preparar os alunos para a vida,
deve na verdade encarar a presença de crianças com deficiência como uma
especial oportunidade de apresentar a todas, principalmente as que não têm
deficiências, uma lição fundamental de humanidade, um modo de convivência sem
exclusões, sem discriminações em um ambiente de fraternidade”, destacou.
Votando pela
improcedência da ação, a ministra Rosa Weber afirmou que, em seu entendimento,
muitos dos problemas que a sociedade enfrenta hoje, entre eles a intolerância,
o ódio, desrespeito e sentimento de superioridade em relação ao outro talvez
tenham como origem o fato de que gerações anteriores não tenham tido a
oportunidade de conviver mais com a diferença. “Não tivemos a oportunidade de
participar da construção diária de uma sociedade inclusiva e acolhedora, em que
valorizada a diversidade, em que as diferenças sejam vistas como inerentes a
todos seres humanos”.
Segundo o ministro Luiz Fux, não se pode analisar a
legislação infraconstitucional sem passar pelas normas da Constituição, que tem
como um dos primeiros preceitos a promoção de uma sociedade justa e solidária.
“Não se pode resolver um problema humano desta ordem sem perpassarmos pela
promessa constitucional de criar uma sociedade justa e solidária e, ao mesmo
tempo, entender que hoje o ser humano é o centro da Constituição; é a sua
dignidade que está em jogo”, afirmou, ao votar pela validade das normas
questionadas. Ao também seguir o voto do ministro Fachin, a ministra Cármen
Lúcia afirmou que “todas as formas de preconceito são doenças que precisam ser
curadas”.
O ministro Gilmar
Mendes acompanhou o voto do relator, mas apontou a necessidade de se adotar no
País uma cláusula de transição, quando se trata de reformas significativas na
legislação. Afirmou que muitas das exigências impostas por lei dificilmente
podem ser atendidas de imediato, gerando polêmicas nos tribunais. O ministro
afirmou ainda que “o Estatuto das Pessoas com Deficiência efetiva direitos de
minorias tão fragilizadas e atingidas não só pela realidade, mas também pela
discriminação e dificuldades com as quais se deparam”.
Já o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski,
enfatizou a convicção atual de que a eficácia dos direitos fundamentais também
deve ser assegurada nas relações privadas, não apenas constituindo uma
obrigação do Estado. Afirmou que o voto do ministro Fachin é mais uma
contribuição do Supremo no sentido da inclusão social e da promoção da
igualdade.
Também seguiu o
relator, com a mesma fundamentação, o ministro Dias Toffoli.
O Plenário decidiu
transformar o julgamento, que inicialmente seria para referendar a medida
cautelar indeferida pelo relator, em exame de mérito.
Único a divergir do
relator, o ministro Marco Aurélio votou pelo acolhimento parcial da ADI para
estabelecer que é constitucional a interpretação dos artigos atacados no que se
referem à necessidade de planejamento quanto à iniciativa privada, sendo inconstitucional
a interpretação de que são obrigatórias as múltiplas providências previstas nos
artigos 28 e 30 da Lei 13.146/2015. “O Estado não pode cumprimentar com o
chapéu alheio, não pode compelir a iniciativa privada a fazer o que ele não faz
porque a obrigação principal é dele [Estado] quanto à educação. Em se tratando
de mercado, a intervenção estatal deve ser minimalista. A educação é dever de
todos, mas é dever precípuo do Estado”, afirmou.
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