ARTIGO: Hirokazu Yoshikawa: "A boa educação começa ao nascer"
O psicólogo americano, de origem
japonesa, Hirokazu Yoshikawa escolheu estudar os impactos da pobreza e da
imigração na educação. Chegou, então, a outro ponto de interesse: a infância,
na faixa etária que vai do nascimento aos 5 anos de idade. Cuidar dos pequenos
nesses primeiros anos de vida, afirma ele, é a forma mais eficaz de diminuir e
até neutralizar os efeitos negativos que a pobreza causa na capacidade de
aprendizado e no desenvolvimento das crianças. Professor da Faculdade de
Educação de Harvard e da Universidade de Nova York, Yoshikawa esteve no Brasil
para participar do congresso sobre infância da Fundação Maria Cecília Souto
Vidigal. Ele conversou com ÉPOCA sobre a importância de cuidarmos dos
imigrantes, que chegam de outras nações ou que se mudam de áreas isoladas para
as grandes cidades de um país. A negligência com os imigrantes, diz Yoshikawa,
pode alimentar crises sociais e educacionais difíceis de ser remediadas.
ÉPOCA – Qual o impacto da pobreza
na educação?
Hirokazu Yoshikawa – A pobreza
tem um impacto enorme na educação e na capacidade de aprendizado da criança,
por diversas razões. A mais evidente é a falta de dinheiro dos pais para pagar
melhores escolas e comprar livros e brinquedos que a estimule. Sabemos que a
boa qualidade da pré-escola tem um papel importante no desenvolvimento da
criança. Pais de baixa renda têm pouco acesso a instituições como essas. E há
impactos que vêm dessa circunstância. Um dos mais relevantes é o estresse dos
pais que trabalham muito e, ainda assim,
não têm dinheiro para pagar contas. A falta de disposição gerada por
esse estresse é um impedimento maior para os pais participarem da vida dos
filhos do que a falta de tempo em si.
ÉPOCA – É possível tirar esse atraso?
Yoshikawa – Nunca é tarde para
ajudar a remediar os efeitos de problemas no desenvolvimento das crianças. Mas
há evidências de que, quanto mais demoramos para fazer isso, mais caro custa
para a sociedade recuperar essas crianças. Por isso o investimento nos
primeiros anos de vida é tão importante. Se esperarmos para dar oportunidades
às crianças, não só pagaremos mais caro, como também correremos o risco de não
ser tão eficazes nos resultados.
ÉPOCA – O que o senhor observou
em suas pesquisas que permite dizer que a criança teve uma educação eficaz?
Yoshikawa – Observamos muito mais
que notas. Acompanhamos essas crianças na vida adulta para saber se elas
conseguiram ter uma participação bem-sucedida na sociedade. Não se trata de ver
se elas conseguiram emprego, mas se elas foram bem-sucedidas em disputar boas
oportunidades de trabalho nas áreas que escolheram, sair da pobreza e levar uma
vida saudável. Nos últimos 30 anos, uma série de estudos mostrou que a eficácia
dos investimentos nos primeiros anos da infância é entre seis e oito vezes
maior do que a de programas que procuram remediar lacunas de aprendizado em
idades mais avançadas. Um grande estudo, o Abecedarian, acompanhou um grupo de
jovens que recebeu cuidados de qualidade nos primeiros anos de vida e outro que
não recebeu. Os resultados mostram, entre outros dados, que a incidência de
encarceramento na vida adulta diminuiu em um terço no primeiro grupo.
ÉPOCA – O senhor pode dar
exemplos do que seriam esses cuidados de qualidade?
Yoshikawa – A questão central é
ter adultos bem treinados em dar atenção para os pequenos, ao mesmo tempo que
saibam ceder espaço para que eles exerçam a criatividade e a vida social com
estímulos saudáveis. É claro que ter um espaço físico arejado, limpo e seguro
também é importante, mas sabemos que o mais importante é preparar os adultos
que passam mais tempo com as crianças. Dois programas de monitoria implantados
em Boston e em Nova York mostraram resultados importantes na melhora das creches. A monitoria consiste em ter um
tutor que acompanha o tempo de professores e cuidadores com as crianças
pequenas e faz sugestões de como conduzir a interação entre elas. Numa briga, em
vez de dar bronca, o tutor estimula a criança a assumir o lugar do colega e a
imaginar o que fazer no lugar dele. A
monitoria é uma ideia muito simples e altamente replicável. Os resultados
vistos no desenvolvimento das crianças foram tão impressionantes que o sistema
será implantado no maior programa americano para a pré-escola, que cuida de 900
mil crianças por ano.
ÉPOCA – Inúmeras pesquisas já
mostraram a importância da participação dos pais na educação da criança para
que ela se desenvolva melhor. Esses estudos também mostraram a dificuldade de
envolver as famílias de baixa renda. Como resolver esse problema?
Yoshikawa – Nos últimos seis anos
colocamos o foco nessa questão. Criamos um programa de cuidados para crianças
de 0 a 5 anos de famílias pobres, que inclui diversas ações para aproximar as
famílias. Temos programas de capacitação para os pais e cursos de proficiência
em inglês para imigrantes. Nesses cursos, para ensinar a língua, usamos
conteúdo que mostra a importância da educação infantil. Chama-se Two Generation
Program (Programa Duas Gerações) e tem resultados incríveis no envolvimento de
famílias com a vida das crianças. Há elementos desse programa que poderiam ser
incorporados aos sistemas de educação para jovens e adultos, que todos os
governos têm. Por que não aproveitar as aulas de alfabetização, de história e
de sociologia para adultos para ministrar conteúdos sobre a educação de
crianças? Muitos alunos desses cursos são os pais de crianças que não vão para
a pré-escola, ou são os cuidadores de creches ou os empregados domésticos.
Enfim, são as pessoas que passam mais tempo com as crianças pequenas.
"O estresse é um impeditivo
maior para os pais interagirem com os filhos do que a falta de tempo"
ÉPOCA – O senhor publicou um
livro, Immigrants raising citizens (Imigrantes criando cidadãos), sobre a vida
de crianças de imigrantes. O que o senhor mostra no livro?
Yoshikawa – Criamos em Harvard
uma pesquisa que consistiu no acompanhamento da vida de 350 famílias imigrantes
nos Estados Unidos. Queríamos saber como é o desenvolvimento dos filhos de
imigrantes pobres e em situação ilegal, sem visto de residência. O livro mostra
os problemas que ocorrem com imigrantes de forma geral, não só os ilegais.
ÉPOCA – Quais foram as
conclusões?
Yoshikawa – Famílias pobres de
imigrantes criam seus filhos com muito menos suporte do que famílias pobres de
não imigrantes. Seus filhos têm direito de usar os serviços sociais, participar
de programas de suporte à infância tanto quanto qualquer outro, mas, por medo
de serem deportados ou por não estarem ambientados e informados, os pais não
recorrem a esses serviços. Muitos pais imigrantes temem questionar professores,
por exemplo. O impacto aparece diretamente no desenvolvimento das crianças. Nos
filhos de imigrantes, o tamanho do vocabulário das crianças, a autonomia, a
capacidade de interação social e de concentração não são tão desenvolvidos
quanto os de crianças de famílias pobres que vivem com mais estrutura. Esses
imigrantes estão criando os cidadãos das próximas gerações. Governos e nações
alimentam um problema sério para a sociedade por não cuidar disso. Somente nos
Estados Unidos, hoje, há mais de 17 milhões de crianças que são filhos de
imigrantes, de acordo com os dados oficiais. Esses números podem ser maiores.
ÉPOCA – Há uma crise de imigração
no mundo. Na Europa Ocidental, há centenas de milhares de imigrantes que pedem
asilo. Como acolher esse contingente de pessoas, sem instaurar o caos na
estrutura social dos países que as recebem?
Yoshikawa – Não há uma receita
pronta, mas há dois pontos de partida. O primeiro é de postura. Você e eu somos
descendentes de japoneses que nunca moramos no Japão. Nos lembramos disso
sempre que nos olhamos no espelho. A maioria das pessoas é de família de
imigrantes como nós, mesmo que não esteja no rosto delas. Atravessar fronteiras
nacionais ou internas em busca de oportunidades melhores faz parte da história
da formação das civilizações, assim como faz parte de nossa natureza mudar, sob
todos os aspectos, para melhorar a vida de nossos descendentes. Os governos, as
instituições e os cidadãos precisam refletir sobre isso, para que o princípio
de humanidade se sobreponha a interesses isolados. Todos têm o direito de
buscar melhores condições para suas famílias e suas comunidades. O segundo
ponto de partida é bastante prático. Devemos planejar a forma de receber os
imigrantes e preparar nossos servidores para dar suporte a essas famílias.
ONGs, a imprensa, campanhas do governo e campanhas nas escolas podem ajudar.
Cuidar da imigração significa evitar crises sociais e educacionais no futuro.
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