ECONOMIA: Sonegação de impostos é sete vezes maior que a corrupção
Nenhum assunto
rivaliza com as notícias sobre corrupção na cobertura e no destaque dados pela
mídia, um sinal da importância devidamente atribuída ao problema pelos
cidadãos. Males de proporções maiores, porém, continuam na sombra. A sonegação
de impostos, por exemplo, tem sete vezes o tamanho da corrupção, mas recebe
atenção mínima da sociedade e do noticiário.
Deixa-se de
recolher 500 bilhões de reais por ano aos cofres públicos no País, calcula o
presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, Heráclio
Camargo. O custo anual médio da corrupção no Brasil, em valores de 2013,
corresponde a 67 bilhões anuais, informa José Ricardo Roriz Coelho,
diretor-titular do Departamento de Competitividade e Tecnologia Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo, com base em cálculos recentes.
Para alertar a
sociedade da importância de se combater a sonegação, Camargo, inaugurou na
quarta-feira 18, em Brasília, um sonegômetro e uma instalação denominada
lavanderia Brasil. Na inauguração, o medidor mostrava um total sonegado de 105
bilhões desde janeiro, dos quais 80 bilhões escoados por meio de operações de
lavagem ou manipulação de recursos de origem ilegal para retornarem à economia
formal com aparência lícita.
Em um exemplo
citado pelo Sindicato, um comerciante simula a compra de 50 milhões de litros
de combustível, adquire só 10 milhões de litros físicos e obtém, mediante
pagamento, notas fiscais falsas no valor de 40 milhões. Ele negociou de fato só
aqueles 10 milhões, mas trouxe para a economia formal os 40 milhões de origem
ilícita por meio desse mecanismo de lavagem, sem recolher os impostos devidos.
Tanto a parcela superfaturada, os recursos de propinas, tráfico de drogas, de
armas e de pessoas, contrabando, falsificações, corrupção e renda sonegada
precisam retornar à economia com aparência de origem lícita, para as atividades
criminosas prosseguirem.
A livre atuação
no Brasil das empresas off shores, ou registradas em paraísos fiscais, agrava a
sonegação. Há laços fortes do País com esses redutos de burla dos fiscos dos
estados nacionais, na prática nossos grandes parceiros comerciais. A principal
razão é o tratamento preferencial dado ao capital externo, subtaxado quando da
sua remessa de lucros ao exterior, afirma-se no site Tax Justice Network.
“Todos os
países que não taxam ganhos de capital, ou o fazem com base em alíquota
inferior a 20% são considerados paraísos fiscais no Brasil. Ironicamente, esse
país tem diversas situações de ganhos de capital taxados em menos de 20%.” Não
é bem assim, explica a Receita Federal. “A definição de paraíso fiscal na
legislação brasileira não leva em conta apenas a tributação de ganhos de
capital, mas sim a tributação da renda. A tributação da renda das pessoas
físicas é de 27,5% e das pessoas jurídicas é de 25% de imposto de renda, mais
9% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.” Mas a taxação de ganhos de
capital, “em regra de 15%”, é baixa em termos mundiais e o trânsito do dinheiro
é facilitado pela parceria comercial com os paraísos fiscais.
Pessoas físicas
recorrem também aos paraísos fiscais para não pagar impostos sobre os seus
ganhos, lícitos ou não. No caso das 8.667 contas de brasileiros descobertas no
HSBC da Suíça (4.º maior número de correntistas no mundo), Camargo vê “com
certeza indícios de conexão com paraíso fiscal, porque essas contas eram
secretas, só vazaram porque um ex-funcionário do HSBC divulgou a sua
existência. Há indícios a serem investigados pelas autoridades brasileiras, de
evasão de divisas e crime de sonegação fiscal.”
Os impostos
mais sonegados são o INSS, o ICMS, o imposto de renda e as contribuições
sociais pagas com base nas declarações das empresas. Os impostos indiretos,
embutidos nos produtos e serviços, e o Imposto de Renda retido na fonte,
incidentes sobre as pessoas físicas, são impossíveis de sonegar. A pessoa
jurídica cobra os tributos, mas algumas vezes não os repassa ao governo.
Quem tem mais,
deve pagar mais, estabelece a Constituição, em um preceito tão desobedecido
quanto o do Imposto sobre Grandes Fortunas, à espera de regulamentação. Nesse
assunto, o Brasil está na contramão. A partir de 2012, com a piora da economia
e da arrecadação, países europeus que haviam concedido desonerações tributárias
e cortado gastos, voltaram a aumentar o imposto de renda nas alíquotas mais
altas e elevaram os impostos sobre propriedade, diz a professora Lena Lavinas,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
“Aqui, não
conseguimos fazer isso porque o IPTU não é arrecadado pela União, mas pelos
municípios, então você não mexe na propriedade. Impostos que tratam da
concentração da renda, do patrimônio, deveriam estar nas mãos da União. A
reforma tributária, segundo algumas visões do Direito, é tratada como uma
questão de simplificação. Não é o caso, muito pelo contrário, tem que
complexificar mais, dentro de uma estrutura adequada em termos de
progressividade, de taxar realmente o patrimônio, os ativos, essa coisa toda.”
A estrutura do
nosso sistema tributário, diz a professora, “é uma tragédia, regressiva,
picada, os impostos não vão para as mãos que deveriam ir. Por que não se
consegue repensar o IVA, o ICMS? Porque são dos estados. Impostos e medidas que
poderiam favorecer uma progressividade, não se consegue adotar, por conta do
nosso caráter federativo.”
A sonegação é
uma possibilidade aberta para as empresas pela estrutura tributária, conforme
mencionado acima, e quando pegas, são beneficiadas pela discrição das
autoridades. Também nesse quesito, o Brasil segue na contramão. Nos Estados
Unidos, por exemplo, os próprios políticos tratam de alardear os nomes das
empresas flagradas em irregularidades.
Por que o
Brasil, não dá publicidade aos nomes dos grandes sonegadores, o que
possivelmente contribuiria para desestimular o não recolhimento de tributos e
impostos? Segundo Camargo, há divulgação, mas ela não é satisfatória. “Existe
um sítio na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que enseja a consulta dos
CNPJs ou CFPs dos devedores, mas sem informar quais são os valores devidos. Não
temos uma cultura de transparência no Brasil. Essas restrições são inaceitáveis
e nós devemos caminhar para uma maior transparência, com a divulgação dos nomes
e respectivos valores devidos.
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